A moça detestava ser obrigada a lhe pedir (ele muitas vezes dirigia durante horas,sem interrupção) que parasse diante de um arvoredo. Ela sempre se irritava com a surpresa fingida com que ele lhe pergutanva por quê. Ela sabia que seu pudor era ridículo e fora de moda. Ela sempre enrubescia por antecipação diante da idéia que iria enrubescer. Muitas vezes desejava sentir-se livre, despreocupada, à vontade em seu próprio corpo, como sabia que era a maioria das mulheres com quem convivia. Até mesmo inventara, para seu uso próprio, um método original de autopersuasão: repetia para si mesma que todo ser humano recebe ao nascer um corpo entre milhões de outros corpos prontos para o uso, como se lhe fosse atribuída morada semelhante a milhões de outras num imenso prédio; que o corpo é, portanto, uma coisa fortuita e impessoal, nada mais do que um artigo de empréstimo e de confecção. Eis o que repetia para si mesma com todas as variações possíveis, tentando inutilmente inculcar em si essa maneira de sentir. Esse dualismo da alma e do corpo lhe era estranho. Ela se confundia muito com seu corpo para não senti-lo com angústia.
Risíveis Amores, escrito entre 1960 e 1968
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