EU CELEBRO a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você.
Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade
observando uma lâmina de grama do verão.
Casas e quartos se enchem de perfumes
as estantes estão entulhadas de perfumes,
Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço,
Sua destilação poderia me intoxicar também,
mas não deixo.
A atmosfera não é nenhum perfume
não tem gosto de destilação
é inodoro,
É pra minha boca apenas e pra sempre
estou apaixonado por ela,
Vou até a margem junto à mata sem disfarces e pelado,
Louco pra que ela faça contato comigo.
A fumaça de minha própria respiração,
Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros... raiz
de amaranto, fio de seda, forquilha e videira,
Minha respiração minha inspiração
a batida do meu coração passagem de sangue e
ar por meus pulmões,
O aroma das folhas verdes e das folhas secas,
da praia e das rochas marinhas de cores
escuras, e do feno na tulha,
O som das palavras bafejadas por minha voz
palavras disparadas nos redemoinhos do vento,
Uns beijos de leve... alguns agarros... o
afago dos braços,
Jogo de luz e sombra nas árvores enquanto
oscilam seus galhos sutis,
Delícia de estar só ou no agito das ruas, ou pelos
campos e encostas de colina,
Sensação de bem-estar... apito do meio-dia
a canção de mim mesmo se erguendo
da cama e cruzando com o sol.
Uma criança disse, O que é a relva?
trazendo um tufo em suas mãos;
O que dizer a ela ?
- sei tanto quanto ela o que é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito,
tecida de uma substância de esperança verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado
por querer,
Com o nome do dono bordado num canto,
pra que possamos ver e examinar, e dizer
É seu ?
O blablablá das ruas... rodas de carros e o
baque das botas e papos dos pedestres,
O ônibus pesado, o cobrador de polegar
interrogativo, o tinir das ferraduras dos
cavalos no chão de granito.
O carnaval de trenós, o retinir de piadas
berradas e guerras de bolas de neve;
Os gritos de urra aos preferidos do povo
o tumulto da multidão furiosa,
O ruflar das cortinas da liteira — dentro um
doente a caminho do hospital,
O conto de inimigos, súbito insulto,
socos e quedas,
A multidão excitada — o policial e sua estrela
apressado forçando passagem até o centro
da multidão;
As pedras impassíveis levando e devolvendo
tantos ecos,
As almas se movendo... será que são invisíveis
enquanto o mínimo átomo é visível ?
Que gemidos de glutões ou famintos que
esmorecem e desmaiam de insolação
ou de surtos,
Que gritos de grávidas pegas de surpresa,
correndo pra casa pra parir,
Que fala sepulta e viva vibra sempre aqui
quantos uivos reprimidos pelo decoro,
Prisões de criminosos, truques, propostas
indecentes, consentimentos, rejeições de
lábios convexos,
Estou atento a tudo e as suas ressonâncias
estou sempre chegando.
Sou o poeta do corpo,
E sou o poeta da alma.
Os prazeres do céu estão comigo, os pesares do
inferno estão comigo,
Aqueles, enxerto e faço crescer em mim mesmo
estes, traduzo numa nova língua.
Sou o poeta da mulher tanto quanto do homem,
E digo que é tão bom ser mulher quanto ser homem,
E digo que não há nada maior que a mãe dos homens.
Vadio uma jornada perpétua,
Meus sinais são uma capa de chuva e sapatos
confortáveis e um cajado arrancado do mato;
Nenhum amigo fica confortável em minha cadeira,
Não tenho cátedra, igreja, nem filosofia;
Não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à
biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher
entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de
continentes, e a estrada pública.
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada
pra você,
Você tem que percorrê-la sozinho.
Não é tão longe assim... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a
água e sobre a terra.
Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações
livres no caminho.
Se você se cansar, entrega os fardos, descansa a
mão macia em meu quadril,
E quando for a hora você fará o mesmo por mim;
Pois depois de partir não vamos mais parar.
Walt Whitman
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