sábado, 17 de novembro de 2012


A vida segue na horizontal
como o rio em correnteza
e como poço em profundeza
E quando se ergues vida minha
Enquanto queda
Demonstra toda sua natureza.
Para estes mares do caminho:
A vida inteira.
A vida e seus fantasmas
O sonho não passa
Espera úmido, que seja revelado
Depois da chuva,
Depois da lama,
Após léguas do Sertão.

domingo, 28 de outubro de 2012






A noite cai, sem sombras
Úmida, despovoada e enfadonha
O orvalho chora monotonamente
E enquanto ela se esvai, vou
Me dissipando
Enfim me vejo, enfim algo descansa
E se fosse triste tudo na vida
Seria morte despedida.

A noite cai, sem dúvidas
Erma, tão só
O dia foi de chuva
E enquanto ela caia, dentro
De mim um rio enchia
Enfim te via noite fria, enfim deixava de ser vazia
E se é líquida como a poesia vida minha
Usarei a água para entender seu silêncio





Ao longo da manhã entre nuvens
no meu passo costumeiro
quisera ser uma frondosa árvore
e à minha sombra
repousar.

O amor é o avesso de um sentimento.!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando aquele outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Hilda Hilst

sábado, 22 de setembro de 2012

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.

Hilda Hilst

segunda-feira, 4 de junho de 2012




Sonhei que entre meus braços você dormia
Tendo o céu como um teto estendido
Acordei com a maçã corada
Daquele beijo, menino
No rosto da madrugada.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Poeminha

Deixa-me vida minha
Olhar-te ainda com amor
Pois muito mais me vale
Me orientar pelos pássaros
Do que esperar pelos dias
Enquanto homens morrem.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Diá-logo




- Parece um beija-flor.! e tem uma flor dentro do ventre.!
- Parece um passarinho se esbarrando contra o vidro.
- Abre a porta e a janela.!
- Eu!
- Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?
- Somos ar e fogo.! um balão ~~* em voo
- Me ensina a voar novamente?
- Vamos pular bem do alto.! a gente sempre soube voar.! tem que abrir as asinhas, beija-flor.! o instinto nos guia.
- Lembrou do grande susto combinado, que esperava toda mata acender.
- Lembrou da nossa surpreendente visita a casa dos Passarinhos de Pano.! lembra lembra ?!
- Não tem como esquecer.
- Muitos são os dias, num só dia!
- Muitas são as vidas, numa só vida!
- Este é o canto de após-guerra, de galhos que subiam mudos...
- De montanhas que insistem em ficar paradas.
- A flor existe, verter o pranto.
- Transformar em rio.
- Dias que vazam agora, dentro e fora
- Dias que tem em seu destino passar
- Repele tudo que nos fala à pele. Passa...
- Ela passarinho.
- O resto passará.
- Me diga, moça, me diga. Não há nada mais a fazer. Pra aprender a cantiga do bem-querer?
- Colher uma gerbera amarela, e fazer um bem-me-quer.

Daniele Paula
Indira Curcino
Mesmo na liberdade, quando escolhia alegre novas veredas, reconhecia-as depois. Ser livre era seguir-se afinal, e eis de novo o caminho traçado. Ela só veria o que já possuía dentro de sí.


terça-feira, 24 de abril de 2012

pôs-poeta



Seu rosto carrega um desdém simulado
E eu o recebo como promessa sem valor
Tu que já me prometarás amor.

No rol de promessas impossivéis
Esse seu mundo que mil voltas deu
Mas em nenhuma dessas voltas esse amor me deu.

Antes me despedir do amor
Do que de saudades viver
Pois viver com saudade do que foi
É duas vezes morrer.

Muitos ainda saberão
Da minha dor secreta
Que inspira versos a minha alma inquieta
Foi a tristeza que me pôs poeta.

Quando a dor mais me consome
Grita aqui dentro baixinho outro nome.

sábado, 31 de março de 2012

sábado, 10 de março de 2012

Me cuidarei para estar inteira amanhã de novo, para te ver de novo, te beijar de novo. Me cuidarei para me tocares com suavidade, para nunca encontrares um arranhão sobre a minha pele. E cuidarei do meu humor, dos meus cabelos, cuidarei para não perder a hora, cuidarei para não me apaixonar por outro, cuidarei para não te esquecer, vou me cuidar.

Martha Medeiros


quinta-feira, 8 de março de 2012

Samba de Praia




Ser depois de vir do mar
É tarefa de arrebentar o juízo
Inadequado dentro do que seria
conveniente,
Dentro do sereno samba resido.
Debruçar sobre o nada
E ao amanhecer, sentir florescer
O doce jardim de ondas verdejantes.
O discarado flutua solitário,
Visto que do raso abrange
Como pode da grande barra da imensidão
do mar,
Trazer a saudade em seu cantarolar?
Aqui é terra de gente escondida
Em meio a rede, areia, água e sal,
No mais é doce.
Subtrair o concreto é escapar do vazio.
Chacoalha, chacoalha...
E na metáfora da viagem sem volta
Insaciável ser inacessível
Mas deixo o meu samba,
Como semente para evolução.
Sutil ele sobe em mim
E me toma como tua, o mar.

Daniele Paula
Fabrício Persan
Renara Afonso

Barra Grande/Ba

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012



─ Caralho! – gritou Úrsula. Amaranta, que começava a pôr a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião. ─ Onde está? – perguntou alarmada. ─ O quê? ─ O animal! – esclareceu Amaranta. Úrsula pôs o dedo no coração. ...─ Aqui – disse.


Gabriel García Márquez

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012




As vezes a vida me pede para acordar
e tirar a sorte do dia.
O tempo expulsa de mim a hora
e o que sou hoje
é estar eu sobrevivente a mim mesma
como um corredor no fim da casa.
Estou viva e estive pra morrer
estou viva e vou aprender
como o propósito de todos os poentes...
morrer, pra nascer.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012




Quero um verso pisado, sofrido, malhado em prosa
Quero um verso escarrado, esculhambado, dilacerado em prosa
Quero um verso destemido, arretado, apanhado em prosa
Quero um verso misturado, vomitado, embriagado em prosa
Quero um verso derretido, curtido, iluminado em prosa
Quero um verso guerreiro, morto, apunhalado em prosa
Quero um verso faminto, guloso, saciado em prosa
Quero um verso revolucionário, branco, radical em prosa
Quero um verso puro, nú, despido em prosa
Um verso de verdade, um poeta de verdade
Nada de meio termos, meia boca aberta, meia palavra dita
Quero um verso, um reverso, o anverso, o reconvexo, os Chicos e as Marias,
a beira e o fundo
o largo e o esguio
o saco e o vazio
o fardo e o atalho
a cheia e o sertão
a maçã e a mordida
o presente e a despedida
Quero um verso que fale de tudo e escutar os que morrem mudos
Quero um verso antigo, recitado no ouvido, de um verso sem-vergonha.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O mais bonito de acompanhar o crescimento de uma vida é observar como ela descobre o mundo.